sábado, 13 de dezembro de 2008

Dor


Tristezas, fracassos, desejos. Na dor se encerram ciclos. Na dor o espírito encontra a purificação, a racionalização dos instintos mais depravados do sentir humano. O íntimo amigo revela à sua amante uma brutalidade imoral, quase santa, enquanto que aquela, completamente dominada pelo amor que julga e pune, nega o seu próprio corpo, vilipendiando, sincera, sua auto-estima.
A dor é a congratulação, assim como a morte, do jogo da vida; seja vencedor ou vencido, cada um sofre à sua maneira. A punição pelo desejo é a dor. A insuficiência do ser é inata: uma doença congênita, uma pré-condenação à dádiva da vida. Talvez um pôr-do-sol... Contemplar por anos a fio o crepúsculo, a beleza atemorizante do dia se tornando noite, que se torna dia novamente, amenize. Talvez não. Talvez um casamento, filhos, visitar amigos num domingo. Talvez não.
A dor é insaciável, existir implica solidão. E eu aqui, sentada à mesa de uma biblioteca, sozinha, arrogando a mim mesma qualidades que não tenho, torturando a quem me quer brutal e serena em volúpia insana, depravada, estou só. Fato. Espero apenas que achem beleza na disposição destas palavras num papel.

Cesira Ferrara
25 de maio de 2004

Inspirado em MEU CORAÇÃO DESNUDADO, de Charles Baudelaire
Foto: Deivisson Leão - trecho entre São Gonçalo dos Campos e Feira de Santana - BA, em 27 de set. de 2007, 17h42.

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