sábado, 27 de dezembro de 2008

Migração pendular

Penso, às vezes, que não há mais para onde olhar. É cedo, a lua ainda resiste à imponência da aurora... É cedo. É cedo e as pessoas, assim como eu, saem para trabalhar, para estudar, ou voltam do trabalho. Interessante isso... Migração pendular: eu também faço parte dessa estatística.
Penso, às vezes, que não há pontos ou olhos que resistam à insuportabilidade do meu olhar ora curioso, ora vazio...
E sigo ouvido e cantando baixinho minhas canções prediletas, catando distrações até o trabalho. 10 minutos numa van, 30 minutos num coletivo, 1h15min num intermunicipal Feira x Cachoeira... Viajo a semanas, meses, 10, 15 anos atrás... Um tempo inconstante esse, não? Não há medidas, tampouco limites para o pensamento...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Baader Meninhof-Blues

A violência é tão fascinante, e nossas vidas são tão normais...

Feira de Santana, bairro do Tomba, 07h15 da manhã. Um estampido forte, seco, estalado. Um homem agonizando no chão, uma bala na cabeça a queima-roupa. Em menos de 5 minutos apareceu polícia, SAMU, bombeiros... As pessoas corriam para ver, feito urubus na carniça, umas saiam estupefatas, outras sorrindo, outras chorando... Muitas ficaram ali, olhando o homem agonizando. Peguei meu ônibus, sem saber o que pensar... Trabalhei o dia todo, como um dia qualquer, mas volta e meia, me pegava pensando nisso. Volta e meia eu vou me lembrar disso... Por muitos anos...

sábado, 13 de dezembro de 2008

Dor


Tristezas, fracassos, desejos. Na dor se encerram ciclos. Na dor o espírito encontra a purificação, a racionalização dos instintos mais depravados do sentir humano. O íntimo amigo revela à sua amante uma brutalidade imoral, quase santa, enquanto que aquela, completamente dominada pelo amor que julga e pune, nega o seu próprio corpo, vilipendiando, sincera, sua auto-estima.
A dor é a congratulação, assim como a morte, do jogo da vida; seja vencedor ou vencido, cada um sofre à sua maneira. A punição pelo desejo é a dor. A insuficiência do ser é inata: uma doença congênita, uma pré-condenação à dádiva da vida. Talvez um pôr-do-sol... Contemplar por anos a fio o crepúsculo, a beleza atemorizante do dia se tornando noite, que se torna dia novamente, amenize. Talvez não. Talvez um casamento, filhos, visitar amigos num domingo. Talvez não.
A dor é insaciável, existir implica solidão. E eu aqui, sentada à mesa de uma biblioteca, sozinha, arrogando a mim mesma qualidades que não tenho, torturando a quem me quer brutal e serena em volúpia insana, depravada, estou só. Fato. Espero apenas que achem beleza na disposição destas palavras num papel.

Cesira Ferrara
25 de maio de 2004

Inspirado em MEU CORAÇÃO DESNUDADO, de Charles Baudelaire
Foto: Deivisson Leão - trecho entre São Gonçalo dos Campos e Feira de Santana - BA, em 27 de set. de 2007, 17h42.